terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Bens


1. Conceito
Bem, em sentido filosófico, é tudo o que satisfaz uma necessidade humana [1]. Juridicamente falando, o conceito de coisas corresponde ao de bens, mas nem sempre há perfeita sincronização entre as duas expressões.
Coisa é o gênero do qual bem é espécie. É tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem. Bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico. Somente interessam ao direito coisas suscetíveis de apropriação exclusiva pelo homem. As que existem em abundância no universo, como o ar atmosférico e a água dos oceanos, por exemplo, deixam de ser bens em sentido jurídico [2].

2. Bens corpóreos e incorpóreos
Os bens corpóreos são coisas que têm existência material, como uma casa, um terreno, uma joia, um livro. Ou melhor, são o objeto do direito [3].
Os bens incorpóreos, não têm existência tangível são relativos aos direitos que as pessoas físicas ou jurídicas tem sobre as coisas, sobre os produtos de seu intelecto ou contra outra pessoa, apresentando valor econômico, tais como: os direitos reais, obrigacionais, autorais [4].
Em geral, os direitos reais têm por objeto bens corpóreos. Quanto à forma de transferência, estes são objeto de compra e venda, doação, permuta. A alienação de bens incorpóreos, todavia, faz-se pela cessão. Daí falar-se em cessão de crédito, cessão de direitos hereditários etc. Na cessão, faz-se abstração dos bens sobre os quais incidem os direitos que se transferem [5].

3. Bens considerados em si mesmos

3.1 Bens móveis
Os bens móveis são “os que, sem deterioração na substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar para outro, por força própria ou estranha”; no mesmo sentido prescreve o art. 82 do Código Civil: “São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”. No primeiro caso temos os semoventes, que são os animais, e, no segundo, os móveis propriamente ditos: mercadorias, moedas, objetos de uso, títulos de dívida pública, ações de companhia, etc. [6].
Três são as categorias de bens móveis:
1)   Móveis por natureza são as coisas corpóreas suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia sem alteração da substância ou da destinação econômico-social deles (CC, art. 82), com exceção das que acedem aos imóveis; logo, os materiais de construção (tijolos, telhas, pedras, azulejos, etc.), enquanto não forem nela empregados, são bens móveis e readquirem essa qualidade os provenientes de demolição de algum prédio (CC, art. 84). Os que se removem de um lugar para outro, por movimento próprio, são os semoventes, ou seja, os animais e, por força estranha, as coisas inanimadas (p. ex., cadeira, relógio, óculos, livro, caneta, etc.). Há bens móveis por natureza que a lei transforma em imóveis. P. ex.: navio e avião, que podem até ser hipotecados (CC art. 1.473, VI e VII) [7].
2)   Móveis por antecipação o bens incorporados ao solo, mas com a intenção de separá-los oportunamente e convertê-los em móveis, como as árvores destinadas ao corte e os frutos ainda não colhidos. Observa-se, nesses casos, aos quais podem somar-se as safras não colhidas[8], a vontade humana atuando no sentido de mobilizar bens imóveis em função da finalidade econômica. Podem ainda ser incluídos nessa categoria os imóveis que, por sua ancianidade, são vendidos para fins de demolição.
3)   O art. 83 do Código Civil considera móveis para os efeitos legais:
I – as energias que tenham valor econômico;
II – os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes;
III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações.

3.1.1 Bens imóveis
Segundo Clóvis, chamam-se imóveis os bens “que se não podem transportar, sem destruição, de um para outro lugar” [9]. Esse conceito, verdadeiro em outros tempos, vale hoje para os imóveis propriamente ditos ou bens de raiz, como o solo e suas partes integrantes, mas não abrange os imóveis por determinação legal nem as edificações que, separadas do solo, conservam sua unidade, podendo ser removidas para outro local (CC, arts. 81, I, e 83).
O Código Civil, nos artigos 79 e 80, ao apresentar o rol de bens imóveis classifica-os em:
1) Imóveis por sua natureza (art. 79, 1ª parte), abrangendo o solo e tudo quanto lhe incorporar naturalmente, compreendendo as árvores e frutos pendentes, o espaço aéreo e o subsolo.
2) Imóveis por acessão física artificial (art. 79, 2ª parte), acessão artificial ou industrial é, pois, tudo quanto o homem incorporar permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e as construções, de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano. Nesse conceito, não se incluem, portanto, as construções provisórias, que se destinam à remoção ou retirada, como os circos e parques de diversões, as barracas de feiras, pavilhões etc. [10].
Dispõe o art. 81 do Código Civil:
Art. 81. Não perdem o caráter de imóveis;
I – as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local;
II – os matérias provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
O que se considera é a finalidade da separação, a destinação dos materiais. Assim, o que se tira de um prédio para novamente nele incorporar pertencerá ao imóvel e será imóvel [11].
3) Imóveis por acessão natural, incluem-se nessa categoria as árvores e os frutos pendentes, bem como todos os acessórios e adjacências naturais. Compreende as pedras, as fontes e os cursos de água, superficiais ou subterrâneos, que corram naturalmente. As árvores, quando destinadas ao corte, são consideradas bens “móveis por antecipação” [12].
4) Imóveis por determinação legal. O art. 80 do Código Civil considera imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
Os direitos reais sobre imóveis, de gozo (servidão, usufruto etc.) ou de garantia (penhor, hipoteca), são considerados imóveis pela lei, bem como a s ações que os asseguram. Toda e qualquer transação que lhes diga respeito exige o registro competente (art. 1.227), bem como a autorização do cônjuge, nos termos do art. 1.747, I, do Código Civil.
II – o direito à sucessão aberta;
O direito abstrato à sucessão aberta é considerado bem imóvel, ainda que os bens deixados pelo de cujus sejam todos móveis. Neste caso, o que se considera imóvel não é o direito aos bens componentes da herança, mas o direito a esta, como uma unidade.

3.1.2 Diferenças entre bens imóveis e móveis
Grande é a importância da distinção entre bens imóveis e móveis, pois:
1) A propriedade móvel e imóvel se adquire de forma diversa. Os bens imóveis só são adquiridos pelo registro de título, acessão, usucapião, e direito hereditário, e os moveis pela tradição, usucapião, ocupação, achado de tesouro, especificação, confusão, adjunção.
2) Os bens imóveis não podem ser alienados, hipotecados ou gravados em ônus real pela pessoa casada, sem a anuência do cônjuge (CC, art. 1.647, I), exceto no regime de separação absoluta de bens.
3) No patrimônio dos incapazes tem preferência o imóvel, cuja alienação pode ser autorizada em casos excepcionais.
4) O tempo para adquirir propriedade por meio de usucapião é mais prolongado para os imóveis (5, 10, 15 anos), do que para os móveis (três ou cinco anos – CF, art. 183, CC, arts. 1.238, 1.239, 1.240, 1.242, 1.260, e 1.261 e Súmula 445 do STF).
5) Com a abertura da sucessão provisória do ausente, seus bens imóveis só podem ser alienados por desapropriação ou por ordem judicial, para evitar ruína ou quando for conveniente convertê-los em títulos de dívida pública; essa restrição não alcança os bens móveis.
6) Os direitos reais são diferentes: para os imóveis a hipoteca e para os móveis o penhor.
7) Só os imóveis estão sujeitos a registro (CC, art. 1.245; Lei n. 7.433/85), à concessão de superfície (CC, art. 1.369) e à enfiteuse (CC, art. 2.038; STF, Súmula 326), e apenas os bens móveis podem ser objeto de contrato de mútuo (CC, art. 586) [13].

3.2 Bens fungíveis e infungíveis
Bens fungíveis são “os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade”, dispõe o art. 85 do Código Civil, como o dinheiro e os gêneros alimentícios em geral.
Os bens infungíveis pela sua qualidade individual, têm um valor especial, não podendo, por isso, ser substituídos sem que isso acarrete uma alteração de seu conteúdo, como um quadro de um pintor célebre.
A fungibilidade é característica dos bens móveis, como o menciona o referido dispositivo legal. Pode ocorrer, no entanto, que, em certos negócios, a fungibilidade venha a alcançar os imóveis, por exemplo, no ajuste entre sócios de um loteamento sobre eventual partilha em caso de desfazimento da sociedade, quando o que se retira receberá certa quantidade de lotes.
Enquanto não lavrada a escritura, será ele credor de coisas fungíveis, determinadas apenas pela espécie, qualidade e quantidade [14].
A fungibilidade é o resultado da comparação entre duas coisas que se consideram equivalentes. Os bens fungíveis são substituíveis porque são idênticos, econômica, social e juridicamente. A característica advém, pois, da natureza dos bens. Todavia, pode resultar também da vontade das partes. A moeda é um bem fungível. Determinada moeda, porém, pode tornar-se infungível para um colecionador [15].

3.3 Bens consumíveis e inconsumíveis
Prescreve o art. 86 do Código Civil que são consumíveis “os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”. Infere-se do conceito que os bens podem ser:
Consumíveis de fato (natural ou materialmente consumíveis): aqueles cujo uso importa destruição imediata da própria substância, como os gêneros alimentícios. Extinguem-se pelo uso normal, exaurindo-se num só ato.
Consumíveis de direito (juridicamente consumíveis): os que se destinam à alienação, como as mercadorias de um supermercado.
Inconsumíveis são os bens que podem ser usados continuadamente, ou seja, os que permitem utilização contínua, sem destruição da substância. A rigor, a utilização mais ou menos prolongada acaba por consumir qualquer objeto, ainda que leve bastante tempo. Entretanto, no sentido jurídico, bem consumível é apenas o que desaparece com o primeiro uso; não é, portanto, juridicamente consumível a roupa, que lentamente se gasta com o uso ordinário[16].
Clóvis Beviláqua obtempera que há coisas que, segundo o destino que lhes derem, serão consumíveis ou inconsumíveis. Tais são, por exemplo, os livros, que, nas prateleiras de uma livraria, serão consumíveis por se destinarem à alienação, e, nas estantes de uma biblioteca, serão inconsumíveis, porque aí se acham para serem lidos e conservados[17].

3.4 Bens divisíveis e indivisíveis
São divisíveis (CC, art. 87) os bens que puderem ser fracionados em partes homogêneas e distintas, sem alteração das qualidades essenciais do todo, sem desvalorização ou diminuição considerável de valor e sem prejuízo do uso a que se destinam. Deve cada parte ser autônoma, tendo a mesma espécie e qualidade do todo dividido, prestando as mesmas utilidades e serviços do todo. P.ex.: se repartimos uma saca de café, cada metade conservará as qualidades do produto, podendo ter a mesma utilização do todo, pois nenhuma alteração de sua substancia houve.
Por outro lado, as coisas podem ser indivisíveis (CC, art. 88):
1) Por natureza, quando não puderem ser partidas sem alteração na sua substância ou no seu valor. P. ex.: um quadro de Portinari partido ao meio perde sua integridade e seu valor.
2) Por determinação legal, p. ex., o art. 1.386 do Código Civil estabelece que “as servidões prediais são indivisíveis e subsistem, no caso de divisão dos imóveis, em benefício de cada uma das porções do prédio dominante, e continuam a gravar cada uma das do prédio, e continuam a gravar cada uma das do prédio serviente, salvo se, por natureza, ou destino, só se aplicarem a certa parte de um ou de outro”.
3) Por vontade das partes, são aqueles em que fisicamente são divisíveis, mas por convenção entre as partes tornam-se indivisíveis.

3.5 Bens singulares e coletivos
Quanto a individualidade os bens denominam-se:
singulares; e
coletivos
Segundo o art. 89 do CC: “São singulares os bens que, embora reunidos, se consideram de per si, independente dos demais”.
São singulares, portanto, quando considerados na sua individualidade, como um cavalo, uma árvore, uma caneta, um papel. A árvore pode ser bem singular ou coletivo, conforme seja encarada individualmente ou agregada a outras, formando um todo, uma universalidade de fato (floresta). Já uma caneta, p. ex., só pode ser bem singular, porque a reunião de várias delas não daria origem a um bem coletivo.
Os bens coletivos, são chamados também de universais ou universalidades e abrangem as:
universalidades de fato; e as
universalidades de direito
O art. 90 do Código Civil considera universalidade de fato “a pluralidade de bens singulares que, pertinentes à mesma pessoa, tenham destinação unitária”. Mencione-se, como exemplo, uma biblioteca, um rebanho, uma galeria de quadros. Determinados bens só têm valor econômico e jurídico quando agregados: um par de sapatos ou de brincos, por exemplo.
Acrescenta o parágrafo único do aludido dispositivo legal que os “bens que formam essa universalidade podem ser objeto de relações jurídicas próprias”. A universalidade de fato distingue-se dos bens compostos pelo fato de ser uma pluralidade de bens autônomos a que o proprietário dá uma destinação unitária, podendo ser alienados conjuntamente, em um único ato, ou individualmente, na forma do citado parágrafo único[18].
Por sua vez, o art. 91 proclama constituir universalidade de direito “o complexo de relações jurídicas, de uma pessoa, dotadas de valor econômico”. É a hipótese da herança, do patrimônio, do fundo de comércio, da massa falida etc. A distinção fundamental entre a universalidade de fato e a de direito está em que a primeira se apresenta como um conjunto ligado pelo entendimento particular (decorre da vontade do titular), enquanto a segunda decorre da lei, ou seja, da pluralidade de bens corpóreos e incorpóreos a que a lei, para certos efeitos, atribui o caráter de unidade, como na herança, no patrimônio, na massa falida etc.[19].

4.1 Dos bens reciprocamente considerados
No capítulo II do código, o legislador distingue bem principal de acessório e formula o conceito de pertenças e de benfeitorias, fazendo ainda referência a outras modalidades de acessórios, como os frutos e os produtos, compreendidos, nos primeiros, os rendimentos.

4.2 Bens principais e acessórios
Considerados uns em relação aos outros, os bens classificam-se em (art. 92 do CC):
Principal é o bem que tem existência própria, autônoma, que existe por si.
Acessório é aquele cujo existência depende do principal. Assim, o solo é bem principal, porque existe por si, concretamente, sem qualquer dependência. A árvore, por sua vez, é acessório, porque sua existência supõe a do solo onde foi plantada.

4.2.1 Frutos e produtos
Dispõe o art. 95 do Código Civil que, apesar de “ainda não separados do bem principal, os frutos e produtos podem ser objeto de negócio jurídico”. Compreendem-se, pois, na grande classe dos bens acessórios os produtos e os frutos.
Produtos, “são as utilidades que se retiram da coisa, diminuindo-lhe a quantidade, porque não se reproduzam periodicamente, como as pedras e os metais, que se extraem das pedreiras e das minas” [20].
Frutos são as utilidades que uma coisa periodicamente produz. Nascem e renascem da coisa, sem acarretar-lhe a destruição no todo ou em parte (fructus est quidquid nasci et renasci potest), como as frutas brotadas das árvores, os vegetais espontaneamente fornecidos pelo solo, o leite dos animais etc. Caracterizam-se, assim, por três elementos:
periodicidade;
inalterabilidade da substância da coisa principal; e
separabilidade desta[21].
Espécies de frutos:
Quanto a origem dividem-se em:
Naturais — São os que se desenvolvem e se renovam periodicamente, em virtude da força orgânica da própria natureza, como os frutos das árvores, os vegetais, as crias dos animais etc.
Industriais — Assim se denominam os que aparecem pela mão do homem, isto é, os que surgem em razão da atuação ou indústria do homem sobre a natureza, como a produção de uma fábrica.
Civis — São os rendimentos produzidos pela coisa em virtude de sua utilização por outrem que não o proprietário, como os juros e os aluguéis.
Clóvis Beviláqua classifica os frutos, quanto ao seu estado, em:
pendentes, enquanto unidos à coisa que os produziu;
percebidos ou colhidos, depois de separados;
estantes, os separados e armazenados ou acondicionados para venda;
percipiendos, os que deviam ser, mas não foram, colhidos ou percebidos; e
consumidos, os que não existem mais porque foram utilizados[22].

4.3 Pertenças
O Código Civil incluiu, no rol dos bens acessórios, as pertenças, ou seja, os bens móveis que, não constituindo partes integrantes (como o são os frutos, produtos e benfeitorias), estão afetados por forma duradoura ao serviço ou ornamentação de outro, como os tratores destinados a uma melhor exploração de propriedade agrícola e os objetos de decoração de uma residência (art. 93).
Por sua vez o art. 94 mostra a distinção entre parte integrante (frutos, produtos e benfeitorias) e pertenças ao proclamar:

Art. 94. Os negócios jurídicos que dizem respeito ao bem principal não abrangem as pertenças, salvo se o contrário resultar da lei, da manifestação de vontade, ou das circunstâncias do caso.

Verifica-se, pela interpretação a contrario sensu do aludido dispositivo, que a regra “o acessório segue o principal” aplica-se somente às partes integrantes, já que não é aplicável às pertenças.

4.4 Benfeitorias
Também se consideram bens acessórios todas as benfeitorias, qualquer que seja o seu valor. Desde o direito romano classificam-se em três grupos.

4.4.1 Benfeitorias necessárias (impensae necesariae)
Segundo o § 3º do CC “são necessárias as que tem por fim conservar o bem e evitar que ele se deteriore”.
Sob duplo ponto de vista, pode-se qualificar de necessária uma benfeitoria:
Quando se destina à conservação da coisa, seja para impedir que pereça ou se deteriore (despesas para dar suficiente solidez a uma residência, para cura das enfermidades dos animais etc.), seja para conservá-la juridicamente (despesas efetuadas para o cancelamento de uma hipoteca, liberação de qualquer outro ônus real, pagamento de foros e impostos, promoção de defesa judicial etc.) [23].
Quando visa permitir sua normal exploração (despesas realizadas com adubação, esgotamento de pântanos, culturas de toda espécie, máquinas e instalações etc.) [24].

4.4.2 Benfeitorias úteis (impensae utiles)
O conceito de benfeitorias úteis é negativo: as que não se enquadram na categoria de necessárias, mas aumentam objetivamente o valor do bem[25].
Para o Código Civil brasileiro, são úteis as benfeitorias que aumentam ou facilitam o uso do bem. Assim, por exemplo, o acrescentamento de um banheiro ou de uma garagem a casa, que obviamente aumenta o seu valor comercial.

4.4.3 Benfeitorias voluptuárias (impensae voluptuarie)
Voluptuárias são as benfeitorias que só consistem em objetos de luxo e recreio, como jardins, mirantes, fontes, cascatas artificiais, bem como aquelas que não aumentam o valor venal da coisa no mercado em geral ou só o aumentam em proporção insignificante, como preceitua o § 2º do art. 967 do Código Civil colombiano.

5. Bens públicos e particulares
O art. 98 do Código Civil considera públicos “os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno”. Os particulares são definidos por exclusão: “todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.
Os bens públicos foram classificados em três categorias (CC, art. 99).
Bens de uso comum do povo
Bens de uso especial
Bens dominicais
Os de uso comum e os de uso especial são de domínio público do Estado.

5.1 Bens de uso comum do povo
Bens de uso comum do povo são os que podem ser utilizados por qualquer um do povo, sem formalidades (res communis omnium).
Exemplificativamente, o Código Civil menciona “os rios, mares, estradas, ruas e praças” (art. 99, I). Não perdem essa característica se o Poder Público regulamentar seu uso ou torná-lo oneroso.
O povo só tem o direito de usar tais bens, mas não tem o seu domínio.

5.2 Bens de uso especial
Bens de uso especial são os que se destinam especialmente à execução d o s serviços públicos. São os edifícios onde estão instalados os serviços públicos, inclusive os das autarquias, e os órgãos da administração (repartições públicas, secretarias, escolas, ministérios etc. — CC, art. 99, II). São utilizados exclusivamente pelo Poder Público.

5.3 Bens dominicais
Bens dominicais ou do patrimônio disponível são os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades (CC, art. 99, III). Sobre eles, o Poder Público exerce poderes de proprietário. Incluem-se nessa categoria as terras devolutas, as estradas de ferro, oficinas e fazendas pertencentes ao Estado.
Não estando afetados a finalidade pública específica, os bens dominicais podem ser alienados por meio de institutos de direito privado ou de direito público (compra e venda, legitimação de posse etc.), observadas as exigências da lei (CC, art. 101). Dispõe o parágrafo único do art. 99 do Código Civil que, não “dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado”.
Nesse caso, podem ser alienados pelos institutos típicos do direito civil, como se pertencessem a um particular qualquer.

5.4 Inalienabilidade dos bens públicos
Os bens públicos de “uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar” (CC, art. 100).
Os citados bens apresentam a característica da inalienabilidade e, como consequência desta, a imprescritibilidade (não são possíveis de usucapião, art. 102), a impenhorabilidade e a impossibilidade de oneração.
Mas a inalienabilidade não é absoluta, a não ser com relação àqueles que, por sua própria natureza, são insuscetíveis de valoração patrimonial, como os mares, as praias, os rios navegáveis etc. Os suscetíveis de valoração patrimonial podem perder a inalienabilidade que lhes é peculiar pela desafetação, “na forma que a lei determinar” (CC, art. 100).
Desafetação é a alteração da destinação do bem, “visando incluir bens de uso comum do povo, ou bens de uso especial, na categoria de bens dominicais, para possibilitar a alienação, nos termos das regras do Direito Administrativo...” [26]. Deve ser feita por lei ou por ato administrativo praticado na conformidade desta.


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REFERÊNCIAS


[1] “Filosoficamente, bem é tudo quanto pode proporcionar ao homem qualquer satisfação. Nesse sentido se diz que a saúde é um bem, que a amizade é um bem, que Deus é o sumo bem. Mas, se filosoficamente, saúde, amizade e Deus são bens, na linguagem jurídica não podem receber tal qualificação” (Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, v. 1, p. 144).

[2] Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 1, p. 116; Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p. 144-145; Sylvio M. Marcondes Machado, Limitação da responsabilidade de comerciante individual, n. 70.

[3] Orlando Gomes, op. cit., p. 198; Serpa Lopes, op. cit., vol. 1, p. 358.

[4] Barassi (I diritti reali e possesso, v. 1, p. 159) esclarece que, apesar do silêncio da lei a respeito, nada impede que se estenda a ideia de “bem” às entidades imateriais, que existem realmente, não sendo produto de qualquer fantasia: vivem fora de nós, mas possuem estrutura imaterial. Orlando Gomes, op. cit., p. 199; Bassil Dower, Curso moderno de direito civil, v. 1, Nelpa, 1976, p. 137; W. Barros Monteiro, op. cit., vol. 1, p. 144 e 145.

[5] Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 303.

[6] Clóvis, Teoria geral do direito civil, cit., § 34. p. 190.

[7] Caio M. S. Pereira, op. cit., v. 1, p. 364; Orlando Gomes, op. cit., p. 205.

[8] Segundo Agostinho Alvim, as árvores e frutos só aderem ao imóvel enquanto não sejam “objeto de negócio autônomo” (Comentários ao Código Civil, v. 1, p. 223, n. 4).

[9] Teoria, cit., p. 160.

[10] Clóvis Beviláqua, Teoria, cit., p. 162; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 262; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 308.

[11] Ulpiano, Digesto, Liv. XIX e XXXII (ad edictum).

[12] Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 150; Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 266; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 307; Silvio Rodrigues, Direito civil, v. 1, p. 122. “Árvores vendidas para corte são bens móveis por antecipação e para sua alienação independem de outorga uxória” (RT, 227/231, 209/476).

[13] Caio M. S. Pereira, op. cit., v. 1, p. 357; Lucy R. dos Santos, op. cit., p. 225; Orlando Gomes, op. cit., p. 199; Bassil Dower, op. cit., v. 1, p. 139; Silvio Rodrigues, op. cit., v. 1, p. 135 e 136; Planiol e Ripert, Traité pratique de droit civil français, 2. ed., Paris, 1952, t. 3, p. 70 e 71; W. Barros Monteiro (op. cit., v. 1, p. 146), que na p. 147 salienta os reflexos dessa diferenciação em outros ramos do direito: 1) no direito comercial só os bens móveis podem ser objeto de atos de comércio e só é mercantil a compra e venda de móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso (CCom, art. 191. 2ª alínea); 2) no direito fiscal avulta igualmente a importância da mesma classificação. Apenas os imóveis se sujeitam ao pagamento do imposto territorial e ao de transmissão, enquanto o de consumo e o de vendas e consignações só recaem sobre bens móveis; 3) no direito penal só os móveis podem ser objeto de furto e roubo (CP, arts. 155 e 157); 4) no direito internacional privado, para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a leis do país em que estiverem situados (LINDB, art. 8º), todavia, aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens móveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares (LINDB, art. 8º, § 1º).

[14] Caio Mário da Silva Pereira, Instituições, cit., v. 1, p. 269.

[15] Clóvis Beviláqua, Teoria, cit., p. 168; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 312.

[16] Torrente, Manuale di diritto privato, p. 85, apud Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., v. 1, p. 154.

[17] Teoria, cit., p. 168.

[18] Alberto Trabucchi, Commentario breve al Codice Civile, p. 758.

[19] Silvio Rodrigues, Direito civil, cit., v. 1, p. 134; Alberto Trabucchi, Commentario, cit., p. 758-759.

[20] Clóvis Beviláqua, Teoria, cit., p. 175-176.

[21] Francisco Clementino San Thiago Dantas, Programa de direito civil, v. 1, p. 236; Francisco Amaral, Direito civil, cit., p. 319-320.

[22] Teoria, cit., p. 175.

[23] Tanto a conservação material como a jurídica constituem despesas ou benfeitorias necessárias. A esse respeito é muito claro o Código Civil alemão, que se refere, em seu § 995, às despesas para “liberar a coisa de seus ônus” (“die der Besitzer zur Bestreitung von Lasten der Sache macht”), vale dizer, despesas de conservação jurídica.

[24] Arturo Valencia Zea, La posesion, p. 374-375.

[25] Wolff e Raiser, Sachenrecht, cit., n. 86. A noção de que o conceito de benfeitoria útil alcança os melhoramentos não necessários, mas que aumentam o valor comercial da coisa, é pacífica na doutrina em geral (Cf. Planiol, Ripert e Picard, Los bienes, in Tratado práctico de derecho civil francés).

[26] Renan Lotufo, Código Civil, cit., p. 256.

Diniz. Maria Helena, BENS JURÍDICOS - Parte Geral do Direito Civil, 2007.

Lenza. Pedro, Direito Civil I Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2012. 

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